A primeira vez que o vi foi numa foto da turma de meu irmão no colégio. Bem no meio do grupo de adolescentes uniformizados, lá estava ele, nem mais bonito, nem mais feio do que os outros. Talvez mais sério, embora todos ali estivessem sérios, até Luis que vive rindo e fazendo piada de tudo.
“Quem é esse?”
“É o Fúlvio”.
“Fúlvio? Que nome!”
“O Fúlvio é gênio.”
“É por isso que tem esse nome?”
Luís fez uma careta, disse “engraçadinha!” e partiu para alguma de suas atividades turbulentas. Era diferente de mim, que vivia mergulhada em livros. Peguei o retrato e levei para o quarto.
No dia seguinte, olhei de novo o rosto de Fúlvio. Tinha sobrancelhas muito grossas que acentuavam o escuro dos olhos. Sobrancelhas que nenhum ali tinha. E ainda havia o nome: Fúlvio. Ninguém que eu conhecesse se chamava Fúlvio. Um nome que parecia em chamas, fulgurando, refulgindo, fulminando. Além disso, era gênio, aprendia depressa praticamente sem estudar, segundo Luís. Eu estava sempre buscando notas altas para provar que era inteligente, mas elas só vinham após muitas pestanas queimadas em velas simbólicas. Eu admirava os gênios, invejava os gênios.
Os colegas de Luís eram uns pirralhos. Viviam se empurrando, rindo, falando alto, usavam aparelhos nos dentes, tinham espinhas no rosto, cheiravam a suor. Fúlvio, eu nunca vira. Ele era aquela imagem comportada da foto. Parecia mais velho do que os outros, mais homem. De tanto olhá-lo, comecei a perceber novos detalhes além das sobrancelhas grossas e dos olhos escuros. As orelhas eram bem coladas ao crânio, os cabelos, espessos, talvez ásperos, o nariz bem feito, quase feminino.
“Luis, por que é que você nunca trouxe o Fúlvio aqui em casa?”
“Ele não é da minha patota”
E depois de um silêncio:
“Perdeu o pai no princípio deste ano”.
“Coitado! Chama ele pra vir aqui.”
Luis me olhou desconfiado.
“Por quê?”
“Sei lá, pra consolar ele”.
A primeira vez que vi Fúlvio em pessoa foi na porta do colégio, no dia em que levei a caderneta que Luis esqueceu em casa. Havia um bolo de adolescentes em algazarra na rua. No meio de toda aquela agitação, meus olhos esbarraram no rapaz da foto. Quando o encarei, ele desviou seus olhos rapidamente. Era muito mais jovem do que no retrato. Mesmo assim, levada não sei por que demoniozinho interno, tentei recuperar aquele olhar tímido. Olha pra mim, Fúlvio! Olha! Mas o menino ainda não estava pronto para enfrentar o olhar de uma mulher com seios, cintura fina, saltos altos. Mulher de quase dezessete anos.
Achei Luis, entreguei a caderneta.
“Aquele ali é o Fúlvio?”
“É”
“Parecia mais velho na foto”.
“É o mais moço da turma. Ainda não fez quinze anos”.
Abri caminho entre os adolescentes que começavam a entrar pelo portão de ferro do colégio. Fúlvio agora estava na minha frente. Num impulso, passei a mão na sua cabeça. Senti a textura de seus cabelos. Eram mesmo ásperos. Ele se voltou assustado. Fiz um ar distraído de não estou aqui, mas tenho certeza de que percebeu que tinha sido minha a mão a tocá-lo.
Voltei à porta do colégio alguns dias depois, na hora em que as aulas começavam. Sabia que Luis não estaria lá. Ficara em casa, de cama, gripado. Fúlvio esperava que a porta abrisse, encostado numa árvore, isolado dos outros. A sombra dos galhos desenhava figuras de sombra e luz no seu rosto.
Me aproximei. Ele saiu de onde estava, sem se apressar nem olhar pra mim. Como se tivesse tomado a decisão de ir para outro lugar por causa de pequenas folhas que caíam sobre ele.
“Está com medo?”, perguntei alto.
Ele parou.
“Medo de que?”
“De mim”.
Ele sorriu. “Não usa aparelho”, pensei com alívio.
“Não tenho medo de nada”, disse e se dirigiu à porta do colégio.
Uma semana mais tarde, apareceu lá em casa depois da aula. Tinha se oferecido para estudar matemática com o Luis que estava arriscado a não passar de ano. Foram os dois para o quarto do meu irmão.
Fiquei esperando por uma ocasião para estar a sós com ele. Finalmente Luís saiu do quarto, dizendo que ia ao banheiro. Devia estar cansado da matemática e do geniozinho. Fúlvio ficou sozinho. Entrei, me sentei ao lado dele na cama. Não disse nada. Peguei sua mão e coloquei-a no meu peito. Com minha mão por cima da dele, fiz com que sentisse o volume dos seios, e os bicos durinhos. Depois me curvei e beijei-o rapidamente na boca.
Me levantei depressa para que meu irmão não me surpreendesse ali. Antes de sair, disse seu nome e só isso. Deixei-o estatelado, sem ação. Devia ser seu primeiro beijo, seus primeiros seios. Eu mesma estava sem fôlego, espantada de ter feito aquilo.
Houve estudos nos dias que se seguiram. E momentos em que Luis se cansava, ia dar uma volta e deixava o colega sozinho. Com o coração batendo forte, eu entrava. A cada dia, me desembaraçava mais. Não tinha vergonha de nada, fazia tudo o que me dava vontade, sempre em silêncio, exceto pelo nome dele, que eu dizia, ás vezes acompanhado por um adjetivo: Fúlvio fulgurante, Fúlvio fulgente, Fúlvio fulminante.
Naqueles breves momentos em que ficamos a sós, aprendi coisas e ensinei coisas. Seu rosto infantil parecia amadurecer sob as minhas carícias. Ele também perdia a vergonha. Como eu, calado. Uma vez, apenas uma vez, depois que demos um beijo de língua mais demorado, disse meu nome: Lavínia.
Tudo sempre acontecia de forma intensa e rápida, os passeios da minha mão audaciosa, os tateios de seus dedos desajeitados, os encontros de nossas bocas famintas. Nossa estréia nos mistérios do amor se fazia com ansiedade e pressa, os ouvidos atentos a qualquer barulho. Não havia tempo a perder. Luis podia voltar. Alguém podia entrar. Por milagre, nunca fomos surpreendidos.
Acabaram as provas, chegaram as férias. Fúlvio não veio mais. Arranjei um namorado no calor do réveillon, um estudante do último ano de economia, e passei a sair com ele. Depois de algum tempo, comecei a transar com meu namorado. Dois anos depois, nos casamos.
Quanto a Fúlvio… Fúlvio?